Analisar e compreender o vasto «argumentário» dos defensores(as) do “não”, a propósito do próximo referendo sobre o aborto é, na minha opinião, importante. Para tal, desmontar os argumentos através de uma análise da realidade e das práticas defendidas pelos vários sectores dos defensores(as) do “não” é crucial para a constatação da visível divisão existente entre estes(as).
Os defensores do “não” utilizam um argumento, que me parece muito poderoso, o qual se encontra expresso na máxima: “-Só engravida quem quer.” Pois, com os métodos contraceptivos, actualmente disponíveis (incluindo a contracepção de emergência), o acesso facilitado e a informação/formação acessíveis são razões, mais do que suficientes, para afirmar aos “sete ventos”, que, realmente, “só engravida quem quer”.
Perante tal argumento, mais vale encolher os ombros e desistir de qualquer tentativa de descriminalização ou liberalização do aborto. Para quê? Afinal, as mulheres só engravidam se quiserem, salvo em caso de violação, mas tal, só serviria para afirmar que a excepção faz a regra.
Se, só engravidasse quem quisesse, então, para quê organizar um referendo? E, mais grave, porque é que alguém iria votar “sim”? Mas, qual a opinião dos(as) defensores(as) do “não” relativamente a algumas questões fundamentais para evitar o recurso ao aborto. De seguida, passo a expor algumas destas questões.
Primeira questão: Defendem a utilização de todos métodos contraceptivos, incluindo os artificiais? A resposta a esta questão, parece-me longe de consensual, senão vejamos: entre os defensores do “não” contamos com quem somente defenda a utilização dos métodos naturais, os quais, de facto, podem ser eficazes, caso a mulher possua um conhecimento do seu ciclo ovárico e, se tiver, a sorte, de ser regular. Caso contrário, azar! Terá de suportar todos os(as) filhos(as) que Deus quiser. Sendo assim, ficaria entregue ao acaso (critérios aleatórios ou sobrenaturais) e não à mulher ou mesmo ao casal o controlo do número de filhos(as) e quando os ter. Isto, quando não afirmam que os métodos contraceptivos artificiais (pílula, adesivo, anel, implante, injectável e espermicidas) são potencialmente perigosos para a saúde da mulher, ou mesmo quando defendem que o dispositivo intra-uterino e a contracepção de emergência (vulgo «pílula do dia seguinte») são abortivos, ou até, quando, por incrível que pareça, nos digam que o preservativo é incapaz de nos proteger de uma Infecção Sexualmente Transmissível (IST).
Segunda questão: Defendem a facilitação do acesso a contraceptivos, por todas as pessoas em idade fértil? Aliás, em conformidade com a Portaria 52/85 (26 de Janeiro de 1985). Será que são favoráveis à disponibilização gratuita de contraceptivos artificiais nas unidades de saúde públicas? Algo, que felizmente, faz parte da nossa realidade. Embora, por si só, não seja sinónimo de facilidade de acesso. Questiono, ainda, se, serão favoráveis a essa mesma facilidade de acesso, também prevista na mesma Portaria legislativa referida anteriormente, por parte de adolescentes (pessoas em idade fértil) à contracepção, mesmo que não tenham consentimento dos pais, o que por vezes revela-se necessário, por razões óbvias. Mas, já que falamos de jovens, passo à próxima questão.
Terceira questão: Defendem uma educação sexual na escola, sem crucifixos, onde impere uma moral e éticas laicas, que não favoreçam ideologias políticas e/ou credos religiosos? Será que todos(as) os(as) defensores(as) do “não” dialogam com os filhos(as) acerca do modo como concebem a sexualidade, promovendo a partilha de ideais e valores ou, porque não, abrindo espaço para a discordância, o que só servirá para cultivar a capacidade de tolerância e respeito pela opinião do outro, mesmo que esse outro seja um pai, mãe ou filho(a).
Em suma, se aglomerarmos todas as motivações mais extremistas dos(as) defensores(as) do “não”, teríamos o seguinte cenário: Uma legislação muito restrita no domínio do aborto. Onde, até a tal “excepção” para os casos de violação poderia nem existir, pois a vida intra-uterina não teria culpa das acções do «pai agressor».
Os únicos métodos contraceptivos distribuídos gratuitamente, por natureza, seriam os designados “naturais”. Até se poderiam organizar acções de formação para explicação do seu funcionamento, mas, provavelmente, só os casais legalmente casados é que teriam acesso a tal formação. Os restantes métodos seriam excluídos, pois constituiriam, segundo pesquisas pseudocientíficas, um perigo para a saúde pública. Ser infectado por uma IST seria uma questão de sorte ou azar, pois os preservativos, segundo algumas autoridades religioso – sanitárias são ineficazes (parece que têm micro buracos, por onde se escapam todo o tipo de vírus).
As adolescentes e as mulheres não casadas não ficariam grávidas, porque não tinham relações sexuais, por não terem acesso ao conhecimento acerca de como não engravidar e não seriam infectadas por ISTs, pois toda a gente sabe que os preservativos nunca conferiram qualquer tipo de protecção e que o seu fácil acesso é propiciador de relações sexuais.
A educação sexual nas escolas, ou não existiria ou seria matéria leccionada, naturalmente, nas ciências da natureza, na biologia ou em religião e moral de alguma confissão religiosa. Por outro lado, falar «dessas coisas» em casa seria desnecessário e claramente depravante.
Em suma, neste cenário, de facto, só engravidaria quem quisesse.
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