sábado, novembro 05, 2005

Uma opinião de um conhecido antropólogo português, Miguel Vale de Almeida, sobre a decisão da comissão Sampaio e que resume bem a minha posição:

Adeus, educação sexual.

A proposta do grupo de trabalho para a educação sexual mostra bem o que é o estado deste país. Começa pela composição do próprio grupo: psiquiatras, ginecologistas, psicólogos surgem como os especialistas em sexualidade. Isto é, a medicalização da mesma continua alegremente no século XXI como se estivessemos no século XIX. Pedagogos? Cientistas Sociais? Grupos ligados aos direitos sexuais? Qual quê! Essa gente "suja" a limpeza "biológica" da sexualidade...

(Parênteses: ...e retira os privilégios de estatuto e casta de uma certa classe médica que se assume como o corpo sacerdotal da secularidade; despromovidos os juristas em virtude do mau funcionamento da Justiça, o que se quer é médicos como mandatários, comentadores políticos e sociais, escritores; economistas à parte - que servem para interpretar os códigos da moderna Bíblia do Mercado - os médicos são chamados a gerir a teologia da Bio-sociedade, da ideologia da genética, do medo do risco e da contaminação).

Mas mais graves são as propostas. A educação sexual passaria a ser parte de uma "educação para a saúde" vista em termos de prevenção de riscos e em que tabagismo e toxicodependência são postos no mesmo plano que a gravidez indesejada ou as DST. Esta gestão do risco e do medo ficaria ainda ligada a centros de saúde locais e, é claro, seriam os estudantes das áreas universitárias biomédicas os recrutados como monitores. Podem ter deixado, por exemplo, de considerar a homossexualidade como doença (e a julgar pelas barbaridades disfarçadas de platitude que tenho ouvido a Daniel Sampaio, nem disso estou certo...), mas não deixaram de considerar a sexualidade como um campo clínico.

Por fim, o método, a ideia de transversalidade (isto é, não haver uma cadeira de educação sexual): erro crasso. Significa não reconhecer que, estando o ensino organizado em cadeiras, estas dignificam e tornam real o assunto de que tratam. A transversalidade parece bonita, dinâmica e modernaça mas, no nosso sistema, significa uma de duas coisas: ou o desaparecimento rápido do tema nas escolas, ou a sua remissão quase total para as mãos do universo biomédico. Nada impede que uma cadeira de educação sexual seja, ela sim, ponto de encontro de transversalidades, onde se encontrem os aspectos médicos, históricos, sociais, psicológicos e culturais da sexualidade.