
Caros Srs. Francisco Dutra e António Germano.
Foi com enorme apreço que recebi as vossas «cartas» e a flor do Sr. Francisco Dutra. Devo dizer que adoro o simples facto de vivermos num país, em que podemos argumentar e contra-argumentar em público e em privado. Porém, ficaria muito desgostoso, se não me reconhecessem a defesa dos meus valores, da mesma maneira como reconheço o vosso direito de livre expressão dos vossos valores, sem que os meus, nem os vossos prevaleçam como únicos. Aliás, à semelhança do que foi proferido por pessoa muito «douta» da nossa «praça» num debate televisivo emitido há relativamente pouco tempo.
Relativamente aos artigos de minha autoria, devo confessar que fiquei com a impressão que o que mais chocou o Sr. Francisco Dutra foi a comparação feita entre a Roménia Comunista e o Vaticano e não, tanto, a morte das mulheres que recorrem ao aborto voluntário clandestino.
Francamente!... Sr. Francisco Dutra, acha mesmo que quero impor os meus valores a alguém do Vaticano ou fora deste? Não reconhece a diferença entre laicismo e anticlericalismo? Para mim, e na visão laicista de Estado, a Religião deve ter o seu espaço na sociedade, mas nunca poderá, sequer, impor a sua doutrina aos cidadãos da República.
Sr. Francisco Dutra, peço imensa desculpa por lhe ter induzido em erro, pois não mencionei que a morte de oito mulheres por hora em resultado de aborto inseguro é um número de nível mundial. A propósito de números mundiais, sabia que a morte por aborto inseguro é a primeira causa de morte materna (a nível mundial)? Longe de mim, querer armar-me em moralista (religioso ou político) pois, sou um simples cidadão que tenta exercer a sua cidadania e sei admitir quando cometo um erro. Aliás, tenho provas disso mesmo, e na minha opinião assumir um erro não é sinal de fraqueza de argumentos, mas antes de honestidade.
Vou desconsiderar a comparação que fez entre corrupção e roubo com as mulheres que recorrem ao aborto clandestino tal como vou desconsiderar os pequenos indícios de comparação entre nazismo e comunismos sanguinários com a minha linha de pensamento. Que eu tenha conhecimento, os «skinheads» e os nacionalistas portugueses estiveram integrados em diversas marchas pelo “Não”, mas nem me passa pela cabeça confundir os argumentos do “Não” com o nazismo ou nacionalismo de cariz fascista. Além disso, esqueceu-se que há uma diferença enorme entre um acto voluntário e um acto obrigatório.
O Sr. António Germano, por sua vez, tentou encontrar outra forma de leitura dos números, por mim apresentados. Apesar, de nunca ter saído das excepções e das regras. De facto, as mulheres não abortam a «torto e a direito» (excepção), mas ninguém quer impor uma regra a quem quer que seja.
Sr. António Germano não queira impor consensos que não existem. O início da vida humana não está cientificamente reconhecido, embora respeite a sua crença e não a pretendo alterar. Porém, impor a sua crença como consensual é no meu entender abusivo, pois não é compartilhada por grande parte do mundo cientifico, médico, jurídico e religioso. Até o Vaticano diz que a ciência e a medicina não podem afirmar quando o feto se converte em Ser Humano, e os teólogos(as) não estão de acordo sobre o momento em que o feto adquire uma alma. Para ilustrar esta falta de consenso, devo dizer que um número considerável de cientistas de renome, inclusive onze prémios Nobel, explicaram perante o Supremo Tribunal dos EUA que a ciência não pode dizer quando começa a vida da pessoa. A Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé (Vaticano)[i] refere: “Esta declaração deixa expressamente de lado o problema do momento em que se infunde a alma espiritual. Não há uma tradição unânime sobre este ponto e ao autores estão divididos.”
Sr. António Germano fico contente por verificar que partilha o meu conceito de prevenção. De facto, a prevenção vai mais além do que o perfeito conhecimento técnico do funcionamento da coisa ou coisas, coisas essas que, até parece ter receio de mencionar pela designação própria (poderia fazer mil e uma interpretações, mas não o irei fazer). Porém, será sempre importante e essencial o acesso facilitado à contracepção (mesmo entre os jovens), pois sem termos essa garantia, não estaremos a realizar uma prevenção completa.
Sim, Sr. António Germano, os métodos contraceptivos são falíveis tal como as pessoas que os utilizam. Mas, esquece-se facilmente que, quer opte por abortar, quer quem opte por continuar uma gravidez sofre, sempre consequências, ou vai querer desvalorizar a dificuldade de quem decide ou decidiu abortar.
Para mim, para o Sr. António Germano e para o Sr. Francisco Dutra parece-me consensual que a gravidez e maternidade não são doenças, mas também quero acreditar que não são castigos.
Um bem-haja para o Sr. António Germano e para o Sr. Francisco Dutra.
[i] Declaración sobre el aborto provocado, México, Edições Paulinas, 1974, nota 19, pp.29-301





